MANAUS – A implantação do HomeSchooling (educação domiciliar) está longe de ser um consenso no Amazonas. A modalidade de ensino em casa foi objeto de discussão em uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Amazonas na última segunda-feira, 26. Especialistas que participaram do evento defenderam o modelo como um direito da família, mas entidades se manifestam contra o formato.
Dinamara Machado, especialista em Educação, defende que o ensino doméstico precisa ser regularizado e deve haver respeito às famílias que querem o modelo. “O que é preciso compreender é que, primeiro, as famílias precisam ser ouvidas, qual é a motivação de levar uma criança para a HomeSchooling”, diz.
Laura Cristina Vital, vice-presidente do Sinepe-AM (Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Privado do Amazonas), ao contrário, considera a família um ponto para se preocupar. “Vale lembrar também os índices de violência doméstica nos lares”, diz.
Maus tratos, negligenciamento e abusos geralmente são identificados pela escola. Com a educação domiciliar, crianças e jovens ficam suscetíveis apenas ao cuidado dos pais e familiares, alega Vital.
Para Elma Sampaio, presidente da Asprom Sindical (Sindicato dos Professores das Escolas Públicas de Manaus), a atuação da família é de apoio e não substituição. “O papel da família é complementar, não é de substituir a escola”, diz.
Elaine Saldanha, presidente do Sinepe-AM, levanta a questão da formação acadêmica. “O atendimento educacional especializado oferecido pelas escolas é um diferencial, pois o professor possui o entendimento das melhores práticas de aprendizagem. Dessa forma, o HomeSchooling contribui para o agravamento da desvalorização dos professores”, diz.
Para Dinamara Machado, HomeSchooling não é sinônimo de precarização do trabalho docente, pois o formato manteria a figura do professor nos tutores domésticos. “Nós só damos nomes diferentes para uma carreira única, à docência, que é o ensinar, o estar junto, o acompanhar. É perceber que com a HomeSchooling nós podemos ter novos espaços também de trabalho”, diz.
Dinamara afirma que o modelo é adotado em mais de 180 países e que pode vir ao Brasil, com adaptações à realidade local. “Nós podemos pegar os modelos que temos fora e fazer uma transposição para o Brasil. Porque não podemos esquecer, o professor Boaventura diz que os países latino-americanos têm uma forma de aprender. Copiar só o modelo americano não é bom”, diz.
A especialista defende a permanência das escolas tradicionais e afirma que podem ser importantes em casos em que o estudante não tenha a opção de ser acompanhado em casa. “Veja o que nós tivemos recentemente com a pandemia. Quantas famílias foram dizimadas”, diz.
Pela proposição de Machado, ainda haveria uma interferência do Estado, que criaria meios para medir o nível de aprendizado do aluno levando em consideração a Base Nacional Comum Curricular. “Se essa criança vai uma vez por ano fazer uma prova para ver o conhecimento, ótimo. Ao Estado cabe criar mecanismos. Então ele tem que criar essa regularização”, diz.
Para a professora, o importante é garantir a educação de qualidade, não o formato, seja a educação doméstica, ensino remoto ou presencial.
Luis Fabian Barbosa, secretário estadual de Educação do Amazonas, cita vantagens do HomeSchooling como a economia com a mobilidade, segurança por não precisar se deslocar, o conforto do estudo no lar, a maior participação dos pais no ensino e a maior atenção ao estudante no ensino individual.
Com a possibilidade de supervisão dos pais, questões polêmicas como a educação sexual e moral não seriam mais discutidas, segundo Fabian. “Isso faz com que os pais possam decidir sobre algumas questões, como por exemplo, ensinar ou não sobre a educação sexual ou educação moral, seguindo que valores, doutrinação ideológica, que tipo de caminho seguir no aprendizado do meu filho”, diz. “Essas são decisões que são muito pessoais da família. E quando se fala em HomeSchooling todas essas discussões elas acabam caindo por terra, porque caberá em última análise ao pai ensinar aquilo que julga seja mais valoroso para o seu filho”, afirma.
Fabian admite a preocupação com a implantação de um novo formato de ensino. “Por outro lado, eu tenho uma preocupação muito grande, que é a imaturidade que a educação, tanto pública quanto privada brasileira, tem em lidar com o conceito que para outros países já é conceito há muito existente, mas que para a gente é algo muito novo como o HomeSchooling”, diz o secretário.
Para o secretário, é preciso discutir mais para que seja regularizado na legislação e não prejudique o sistema atual de educação. Na visão do gestor, a adoção ou não do modelo cabe aos pais.
“Qual é o perfil de aprendizagem do meu aluno? De que forma que o meu filho consegue estar mais bem disposto à aprendizagem? A socialização, o contato com outras crianças, ajuda no processo de aquisição do conhecimento ou é algo que faz com que o meu filho perca a concentração?”, afirma.
Convívio Social
Abel Bezerra dos Santos, professor da Semed (Secretaria Municipal de Educação) e mestre em Educação, defende o formato. “Olhando pelo aspecto jurídico, sou a favor de que se coloque o Ensino Domiciliar (HomeSchooling) como uma modalidade de ensino. Essa modalidade não exclui o modelo escolar que temos no Brasil, e em tempo de pandemia ela é mais uma opção para aquelas famílias que conseguem se adequar ao modelo”, diz.
No entanto, considera importante o convívio social e proteção promovidos nas escolas. “O ambiente escolar propicia o contato e interação com grupos sociais diferentes, além de ser um local onde muitas crianças e adolescentes acabam denunciando abusos e violências que sofrem dentro de suas próprias casas”, pontua.
Ana Cristina Rodrigues, presidente do Sinteam (Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Amazonas), também defende a convivência escolar. “O convívio e a socialização que a escola permite que a criança tenha é de suma importância para o desenvolvimento intelectual e moral, porque a criança aprende a viver em comunidade”, diz.
Rodrigues afirma que o Sinteam é contra o HomeSchooling, mas afirma que se for regularizado, deve ser mais discutido. “Se ela (modalidade) acontecer, é preciso que tenha algumas regras para que não venha prejudicar o desenvolvimento intelectual e emocional da criança”.
Para Elma Sampaio, no ensino domiciliar não há a preocupação em formar um sujeito politicamente consciente e comprometido com o bem estar da coletividade. “É na escola que você aprende sobre respeito à diversidade cultural, étnico racial, de classe, de gênero, religiosa”, afirma.
Abel Bezerra avalia que na maioria das realidades sociais o modelo doméstico não funciona, pois é necessário todo um ambiente para que o aluno tenha um ambiente adequado. “No HomeSchooling a responsabilidade da educação incide sobre os próprios familiares do aluno, e sabemos através de estudos científicos e também da própria experiência que temos em nossos campos de atuação que o acompanhamento familiar é bem deficitário na maioria dos contextos sociais de nossos estudantes”, diz
Segundo o professor, os setores da sociedade que optam pelo HomeSchooling fazem parte de classes que possuem condições financeiras para pagamento de professores particulares, materiais didáticos e recursos tecnológicos.
Também participaram da audiência pública Inez Augusto Borges, assessora especial do MEC (Ministério da Educação); o deputado federal Lincoln Portela (PL-MG), autor de projeto de lei da educação domiciliar no Brasil; Angela Gandra, secretária nacional da Família do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos; David Hatcher, pastor e fundador da NIB (Nova Igreja Batista); e Tiba Camargo, vice-presidente da Associação de Famílias Educadoras de Santa Catarina.
Fontes amazonasatual.com.br