Indígenas reforçam identidade por meio da fotografia, moda, literatura e desenho, no Ceará: ‘nossa história e realidade’

O G1 apresenta os perfis de quatro indígenas que focam o próprio trabalho e a arte na herança racial.

Moda, fotografia, literatura e desenho somados a falas e pensamentos reforçam a identidade cultural — e ajudam a combater o racismo — por meio de representantes de diferentes etnias no Ceará: Tabajara, Kanindé, Potiguara e Tremembé. A pluralidade entre os quatro contrasta com uma similaridade: o orgulho de ser indígena.

A cordelista Auritha Tabajara, o desenhista Junior Potiguara, a fotógrafa Byya Kanindé e o designer Rodrigo Tremembé reafirmam as próprias heranças visuais, artísticas e literárias durante o ano inteiro, e especialmente em datas como 19 de abril, quando é comemorado o Dia do Indígena — termo que eles reforçam ser o correto, ao contrário de “índio”.

Auritha, 41, é, inclusive, a primeira indígena cordelista do Brasil. A vontade de contar a própria história a partir da literatura, do ritmo, da escrita é algo que acompanha a autora desde o começo da própria vida. Ela mora no Sítio Boa Esperança em Ipueiras, interior do Ceará.

“A minha escrita vem muito natural, desde muito pequena porque eu queria muito escrever as histórias que a minha avó contava. As histórias e as rimas da literatura de cordel me chamavam muita atenção, e foi por isso que eu decidi escrever sobre a cultura do meu povo”, complementa Auritha. O nome dela significa “pedra de luz”.

Com o cordel, Aurtiha busca iluminar a visão da sociedade para desmistificar o preconceito, principalmente, com a identidade indígena. “As pessoas acham que por ser indígena, eu tenho de morar dentro do mato, não posso ter um celular, um carro e não posso fazer as coisas que os não-indígenas fazem. Se eu tiver tudo isso, eu vou deixar de ser indígena. A sociedade precisa entender que o meu ser indígena é de raiz, história, está comigo em qualquer lugar. A minha ancestralidade não sai de mim”, reforça a cordelista.

“Uma parte da sociedade já tem uma outra visão com a literatura indígena porque somos nós falando, sobre a nossa realidade, nossas histórias, sobre o que a gente vivencia. É a nossa voz. Eu acredito que a nossa voz tem um poder maior de desmistificar o racismo. Apesar que o racismo estrutural é muito complicado de acabar, mas a gente está na luta”, complementa Auritha.

Mudança de imagem

Com o objetivo de amplificar a imagem da própria identidade, a jovem de 18 anos, Byya Kanindé, escolheu a fotografia com o foco em quem está na frente — e atrás — da lente. Ela é moradora de Aratuba, também no interior cearense.

“Eu decidi focar na arte da fotografia indígena para mostrar que os indígenas estão resistindo a todas as lutas e preconceitos que existem e mostrar que a identidade indígena está presente no mundo atual e que ela não morreu naquele mundo primitivo, naquele mundo antigo”, destaca a fotógrafa.

Para Byya, o preconceito ainda tem características específicas devido à caricatura e os estereótipos atribuídos a esses povos. “O foco nos trabalhos e nas fotografias indígenas podem ajudar a diminuir o racismo que nós sofremos muito hoje em dia, principalmente eu que tenho a pele branca. Então, muitas pessoas acham que eu não sou indígena pela questão da minha cor. Por isso, ajudo a diminuir esses conceitos criados ao longo da história”, reforça a jovem.

O protagonismo da cor

Pele morena, cabelo liso, olho puxado. A figura que o colonialismo criou do indígena como ser homogêneo, neutro, sem pluralidade, impacta na percepção social sobre a identidade indígena. Por isso, Junior Potiguara usa lápis, papéis, cores e a própria vivência para desenhar novas alternativas. “A minha identificação racial se deu pela vivência na comunidade,e arte entra nesse meio com uma forma de auto-afirmação”, revela o desenhista, morador Monsenhor Tabosa.

“Através da arte eu consigo mostrar essa simbiose entre a natureza e o ser humano. Coisas que nunca deveriam ter se separado. Toda essa questão dos rios, das águas, das montanhas que tem na minha aldeia. Tudo isso eu mostro através da minha arte, dos meus desenhos; são desenhos que fazem alusões a seres encantados dentro de lutas e conquistas”, complementa o artista visual de 23 anos, que vive na Aldeia Vila Nova.

Para Junior, a auto e reafirmação da própria raça perpassa por inúmeras escolhas e itens tradicionais. “Autoafirmação que não vem só da arte de desenhar ou pintar, mas também de usar o colar, de usar um cocar, usar saia. É claro que a gente não precisa estar usando para poder ser indígena. A gente consegue se identificar através das lutas e dessa vivência na comunidade”, complementa o artista.

Vestir e ser indígena

A luta antirracista abre caminho para que as vestimentas e os acessórios tradicionais de povos indígenas não sejam mais fantasias. Para Rodrigo Tremembé, o vestir desfila com o ser entre a pele e o tecido, quando se trata da própria raça.

“Eu sempre gostei de grafismos. Sempre coloquei essas marcas na minha pele. Nos momentos de luta, de resistência, nos rituais do meu povo, nas danças. E o motivo pelo qual decidi colocar a minha arte como parte da minha identidade racial partiu de uma experiência de discriminação racial que eu que eu passei em uma rede social”, relembra Rodrigo.

Ele explica o episódio de preconceito que ele transformou em inspiração. “No final do ano de 2020, eu coloquei uma foto com grafismo no braço em um grupo indígena de uma rede social com cerca de 36 mil membros, e alguns ficaram comentando alguns traços da miscigenação, porque meu tom de pele é claro. Muitos parentes começaram a falar algumas coisas do tipo ‘você é muito branco para ser indígena’ ou ‘você é um indígena pirata’. E isso me fez questionar quanto a colonização influenciou nesse sentido dos estereótipos, preconceitos e racismo”, reflete Rodrigo.

“A partir daí eu comecei a me interessar em fazer um protesto, um manifesto acerca desses assuntos. Então, ao invés de transformar esse episódio de discriminação racial em dor, em choro, eu decidi colocar meu rosto ao mundo, e iniciei o processo de criação das camisas, dos tecidos, das vestimentas com o grafismo do meu povo, porque representa muito isso do indígena no contexto moderno”, complementa o desginer.

Fontes G1amazonas.com

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